sábado, 22 de julho de 2017

Segundo tipo de líderes espíritas

2.ª — Líderes Mediúnicos — A liderança mediúnica exerce-se em três áreas distintas: na popular, indo geralmente além dos limites espíritas, com repercussão sobre a população em geral: na institucional, influindo na atividade e na orientação das instituições; na de divulgação, através de mensagens psicográficas distribuídas à imprensa e aos centros e grupos doutrinários, oferecendo-lhes novos recursos para o esclarecimento de problemas de comportamento individual e coletivo, bem como através de livros mediúnicos que enriquecem a bibliografia espírita e incentivam os estudos doutrinários e marcam a presença ativa dos Espíritos no campo cultural-evangélico. Os médiuns que se destacam nessa liderança influem sobre os outros médiuns e dão-lhes orientação e incentivo à produtividade. Esses líderes mediúnicos exercem ainda uma função de grande importância na orientação moral do povo, alargando a influência e a expansão do Espiritismo, influindo na aceitação da mediunidade como fato natural. Funcionam como os oráculos da Antiguidade, procurados por consulentes espíritas e não espíritas, consolando criaturas desalentadas por casos dolorosos ocorridos na família, justificando o título de Consolador conferido à Doutrina pela tradição evangélica. O Espiritismo se apresenta, através, deles, como o cumprimento da Promessa do Consolador, feita por Jesus. A liderança mediúnica tem assim um papel Fundamental no meio espírita. É dela que brota a orientação espiritual do movimento espírita, é nela que as outras lideranças se apoiam para o desenvolvimento de suas atividades. Por isso, a responsabilidade dos médiuns, que sempre se colocam, queiram ou não, na posição de líderes, é a de um termômetro que deve marcar a temperatura do movimento doutrinário e regulá-la na revelação dos dados necessários. É no exame atento desses dados — ensinos, orientações, advertências, estímulo — que os demais líderes podem acompanhar as curvas de ascensão e declínio da temperatura. Cabe particularmente aos líderes doutrinários e aos líderes intelectuais vigiar o funcionamento desse termômetro coletivo e corrigir os seus desvios e os seus momentos de inibição. Segundo o método kardeciano de aplicação do bom-senso e da razão esclarecida na rigorosa análise da produção mediúnica, sem se deixarem influenciar pelo antigo e perigoso prestígio do sobrenatural. Os médiuns são instrumentos humanos, sujeitos a todos os condicionamentos da espécie, podendo incidir em sintonias perturbadoras ou cair em apatia diante de situações conflitivas e difíceis do processo espírita. O guia seguro da liderança mediúnica é o Livro dos Médiuns, de Allan Kardec. É na leitura e estudo constante desse livro que os médiuns encontram o esclarecimento dos seus mais complexos problemas. Todos os demais livros sobre mediunidade, alguns alarmantemente afastados da realidade espírita, devem ser rigorosamente conferidos com O Livro dos Médiuns de Kardec. Sem esse critério todos os líderes e seus auxiliares correm o risco de enganos fatais. 3.ª — Líderes Intelectuais — Os líderes intelectuais do movimento espírita são os intelectuais-espíritas que se dedicam à doutrina, que a estudam com afinco e perseverança, mantendo-se em atividade constante no plano doutrinário. Um intelectual pode ser espírita sem que seja precisamente um intelectual-espírita ou um líder intelectual. A expressão intelectual-espírita corresponde a uma categoria doutrinária bem definida. É um intelectual que se dedica ao Espiritismo, que assimilou a doutrina e integrou-se na mundividência espírita. Vivendo a doutrina no plano da inteligência e da cultura ele se torna naturalmente um líder intetectual espírita. Sem essa vivência e essa dedicação ao estudo e à pesquisa doutrinária ele será simplesmente um espírita dotado de intelectualidade, mas sem as condições necessárias à liderança intelectual espírita. É o mesmo que acontece com os cientistas ou os pesquisadores universitários que são espíritas, mas não se integram no campo doutrinário. O cientista espírita é aquele que se dedica à Ciência Espírita e contribui para o seu desenvolvimento com trabalhos e obras válidas, reconhecidas como tal pelo consenso geral e pelo consenso espírita. Os líderes espíritas intelectuais pertencem a todas as categorias do mundo intelectual: cientistas, filósofos, ensaístas, especialistas em comunicação, professores, médicos e assim por diante. Mas a legitimidade da sua condição de líder depende da sua atividade permanente no campo espírita, reconhecida pelas lideranças espíritas. Esse reconhecimento não depende de formalidades de nenhuma espécie. É o reconhecimento espontâneo do meio intelectual espírita. Este meio intelectual se define como a conjugação de pessoas habilitadas e experientes do meio intelectual comum para o trabalho intelectual espírita. Não podemos incluir nesse meio pessoas sem habilitação intelectual, por mais dedicadas que sejam à causa doutrinária. Só podemos obter um consenso intelectual espírita de um agrupamento de intelectuais. Como podem opinar, por exemplo, sobre questões de Ciência e Filosofia, de Religião e História ou Psicologia das Religiões, pessoas que não tenham conhecimento e experiência dessas matérias? É o mesmo que se pedir a um pedreiro que opine sobre questões de Botânica. A falta de compreensão desse problema tem provocado lamentáveis equívocos e situações desastrosas, como no caso da adulteração. Não se trata de preferência ou exclusivismo, mas do velho adágio: cada macaco no seu galho. Sem esse critério metodológico os macacos acabam invadindo as lojas de louças.

Tipos de Liderança espírita

Há dois tipos básicos de liderança espírita, decorrentes das necessidades naturais do movimento doutrinário. Podemos considerá-los nas seguintes categorias, segundo suas posições sociais, grau de cultura e funções que exercem nas instituições doutrinárias: 1.ª — Líderes Doutrinários — Fundadores, presidentes e diretores de instituições. Constituem uma categoria de liderança austera, de tipo paternalista, semelhante à dos anciãos judeus e à dos apóstolos e dirigentes de comunidades na Era Apostólica. São homens e mulheres respeitáveis dedicados à doutrina, dotados de mediunidade ou de grande experiência na prática mediúnica, na direção do culto e na orientação administrativa. Tornam-se conselheiros naturais da comunidade e exemplos de moralidade. Sabem expor com facilidade os princípios doutrinários, orientar os neófitos, refutar as críticas e agressões dos adversários. Caracteriza-os o respeito pela Doutrina, com repulsa às inovações de práticas doutrinárias e à mistura de elementos estranhos, provenientes de outras correntes espiritualistas. Até o final da década de 1920 a figura patriarcal desses líderes natos era comum em todo o Brasil. Cercados de respeito, admiração e até mesmo de veneração, fisicamente caracterizados por suas barbas longas e brancas, bigodes espessos, ou por cavanhaques brancos e pontudos, bigodes penteados, eles representavam o patriarcado espírita e os sólidos baluartes da doutrina inviolável. Estudavam as obras de Kardec e Léon Denis, de Ernesto Bozzano e Gabriel Delane. Firmavam-se nas pesquisas científicas de William Crookes, Alexandre Aksakof, W Charles Richet e outros luminares da época e rejeitavam sistematicamente a mistificação de Roustaing, que apenas o grupo da Federação Espírita Brasileira, no Rio, sustentava e divulgava, como ainda hoje [1978] o faz, com apoio de alguns grupos do Norte e Nordeste e uma minoria do extremo-sul. O bom senso os guiava na interpretação prática dos ensinos de Kardec, o Codificador. As transformações políticas dos Anos 1930, com a queda da I República e quebra do Café, o período Getulista e suas reformas, depois a I Guerra Mundial e o desenvolvimento forçado da industrialização, o panorama nacional modificou-se profundamente e o panorama espírita foi afetado. A geração dos patriarcas desapareceu rapidamente. O Mundo entrava na fase acelerada de transição que os Espíritos haviam anunciado a Kardec (como se vê em Obras Póstumas) e os horrores da II Guerra Mundial faziam brotar as gerações do desespero. Lembro-me da figura patriarcal de João Leão Pita (o Velho Pita, companheiro de Cairbar Schutel) em seus últimos dias de vida terrena, no Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Suas longas barbas brancas e seus olhos azuis lembravam o velho Batuira, já então no Além. Pita, intransigente e lúcido, corajoso e temido encerrava a Era Patriarcal do Espiritismo Brasileiro. As novas gerações assumiam a liderança de um movimento órfão, aturdidas e inseguras. Deviam, segundo a lei das sucessões, reelaborar as experiências das gerações anteriores, mas não dispunham das condições necessárias. Novos líderes surgiram ansiosos por impor-se no panorama espírita, excitados por novidades e desprovidos de bases sólidas no tocante ao conhecimento doutrinário. Teorias antigas, como folhas secas sopradas pelos ventos do mundo desvairado, vinham das catacumbas de múmias do Egito, das vastidões da Índia e da Mesopotâmia, renovar a mentalidade espírita mal formada e pior informada. As instituições doutrinárias, mal dirigidas por líderes vaidosos e convencidos de sua sabedoria eclética, assistidos por sub-líderes subservientes, não dispunham mais, em suas raízes secas, da seiva necessária para uma reação defensiva. Caminhamos assim, de deturpação em deturpação, através de disparatadas acusações de erros de Kardec, para os mistifórios mais absurdos. A tentativa de criação de um Espiritismo corpuscular para substituir toda a obra kardeciana fracassou por falta de lógica. Os manuais, cursos e até mesmo um tratado de mediunidade em que os minerais, os vegetais e os animais figuravam como médiuns, resultaram numa seita de fanatismo. A tentativa delirante de dividir em duas partes a obra de Kardec e converter o Mestre em figura de lenda simplória afogou-se no seu próprio ridículo. Mas a vaidade e a ignorância de mãos dadas tinham ainda um último golpe a tentar. Os novos líderes espíritas, embriagados pelo prestígio popular conseguiriam traçar um plano geral de aviltamento da Doutrina e efetivar o primeiro passo: a adulteração da obra mais popular de Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Essa profanação de gentio, como a classificou o poeta Rudmar Augusto, provocou a indignação das pessoas de bom-senso e dos adeptos fiéis da Doutrina, selada historicamente pela condenação maciça do Congresso Estadual da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Apesar dessa vitória da dignidade doutrinária, trinta mil volumes adulterados já haviam sido trocados pelas moedas de Judas e infestado o movimento espírita brasileiro. A insensibilidade dos novos líderes não lhes permitiu renunciar aos seus postos de liderança rejeitada. Continuaram em seus lugares e tentaram ainda mais um golpe: a destruição da USE [União das Sociedades Espíritas do Estado] pela sua absorção nos quadros profanados da Federação. Perderam mais essa cartada mas não se deram por achados. O excesso de tolerância e a inconsciência da maioria responsável pela instituição, a incompreensão da gravidade do caso de adulteração oficial dos textos doutrinárias permitiram passivamente a continuidade das lideranças falidas. Tudo isso nos mostra a distância que se estendeu, o vácuo aberto entre duas épocas: a dos líderes natos e respeitáveis do passado e a dos líderes levianos e inconsequentes do presente. Nesta fase de aviltamento da espécie humana em todo o mundo, não houve condições para o restabelecimento da austeridade espírita em termos de respeito pela Doutrina e moralização dos quadros doutrinários. Onde os líderes não revelam capacidade de liderança a massa perde o rumo e a convicção doutrinária é substituída pelo aviltamento das consciências. Foi assim que o Cristianismo entrou no eclipse medieval e restabeleceu a mitologia e a idolatria que o Cristo condenara em termos candentes, com expressões vigorosas que os adulteradores modernos procuraram substituir por frases ambíguas e ridículas nos textos evangélicos e na obra de Kardec. Assim traçado esse panorama sombrio, com as cores quentes da realidade ainda palpitante — demonstrado em fatos clamorosos e inegáveis as consequências da falta de convicção e austeridade no trato dos problemas doutrinários, podemos voltar à análise do problema das lideranças.

Psicologia da liderança espírita

A liderança espírita é ainda um campo de ensaio. A maioria dos chamadas líderes espíritas não têm conhecimento suficiente da Doutrina. São, em geral, médiuns que se impuseram por suas faculdades ao respeito e à admiração de um grupo de adeptos. Às condições necessárias à liderança nas atividades comuns, acrescentam aos fatores mediúnicos: vidência, intuição, capacidade de doutrinação-espírita e abnegação ao próximo, seguindo o lema doutrinário de fora da caridade não há salvação. A esses acréscimos positivos juntam elementos negativos de suas condições individuais: autossuficiência, vaidade, autoritarismo, misticismo de tipa igrejeiro, pretensões culturais sem conteúdo, humildade aparente, hipocrisia farisaica que se excede em demonstrações de pureza e amabilidade festiva. Contrabalançadas pelas qualidades positivas já referidas, essas antiqualidades puramente sociais completam o equipamento do paternalismo que comove os adeptos desprevenidos. A liderança espírita é um papel que o líder desempenha no meio doutrinário, apoiado no status social comum. Este problema do status é curioso, mas compreensível. Não sendo o Espiritismo uma religião organizada em forma igrejeira — mas uma doutrina livre que abrange todos os ramos do Conhecimento e tem a sua parte religiosa como consequência da científica e da filosófica — não há no Espiritismo cargos nem funções que possam definir um status específico, como o de sacerdote. O líder espírita é lavrador, operário, banqueiro, médico, empresário e assim por diante. Há uma relação natural entre o status social do líder e seu papel doutrinário, mesmo porque o movimento espírita é difuso, não forma uma ilha social, difunde-se por todo o organismo da sociedade. A importância do status social influi naturalmente na importância do papel doutrinário. Esta breve caracterização da liderança-espírita já nos fornece indicações suficientes para um esboço da Psicologia da Liderança Espírita, que se mostra bastante complexa, Não pretendemos aprofundar o problema, mas apenas colocá-lo em função do assunto deste livro. O Espiritismo, como fato social e cultural, é um fenômeno ainda recente no panorama sociológico e exige tempo a fim de se definir em suas coordenadas evolutivas, em sua estática e sua dinâmica social e particularmente em seus vetores, ou seja, em seus elementos condutores de energias e determinadores de situações específicas. A própria especificidade das situações não é fácil de se definir e caracterizar, pois a condição de espírita não implica distinções raciais ou sociais e nem mesmo uma posição sectária explícita. A universalidade potencial do Cristianismo encontra-se em fase de atualização no Espiritismo, mas essa passagem da potência a ato depende de um lento e profundo processo de aculturação que, na verdade, consiste na elaboração de uma nova cultura. Tudo parece feito, e, no entanto, tudo está por fazer. Um mundo novo não surge do nada, como na alegoria do fiat, mas das raízes e da seiva de um mundo que o antecedeu. O velho e o novo se misturam gerando uma situação ambígua em que os indivíduos e os grupos espíritas mostram-se profundamente diferenciados entre si. Não existe a homogeneidade necessária às classificações habituais. A massa espírita não se destaca do quadro geral da população e esta a encara numa perspectiva plurivalente: os espíritas lhe parecem ao mesmo tempo benéficos e maléficos, ingênuos e espertos. cultos e ignorantes, bondosos e perigosos, a serviço de Deus ou do Diabo, criaturas de fé e de má-fé, racionais e fanáticos, e assim por diante. É a mesma situação dos cristãos primitivos no mundo antigo, embora pareça, atualmente, uma situação inteiramente nova. Nessa heterogeneidade sociocultural a liderança espírita exige extrema versatilidade, o que por sua vez, aumenta as suas dificuldades por gerar desconfianças. Combatidos, caluniados, perseguidos e ridicularizados pelo clero das religiões tradicionais, pelas diversas ordens espiritualistas, pelas instituições científicas (particularmente pelas instituições médicas) pela imprensa, o rádio e a tv, explorados em sua generosidade por espertalhões de todos os tipos, os espíritas desenvolveram naturalmente o seu instinto de defesa e preservam-se na desconfiança. Não obstante, a sua obstinação na boa-fé — decorrente dos princípios doutrinários de fraternidade, tolerância e amor ao próximo — os tornam vítimas frequentes de engodos e mistificações. Essa ingenuidade espírita é o que ameniza, não raro demasiadamente, as dificuldades da liderança espírita. O receio de fazer mau juízo do próximo, de critica-lo injustamente, faltando com a tolerância e a caridade, leva indivíduos e instituições a situações difíceis e embaraçosas.______________________ J. Herculano Pires _ *retirado do site http://bibliadocaminho.com/ocaminho/TXavieriano/Livros/Nht/NhtAnexo2.htm