O publicista inglês W. H. Stead, morto na catástrofe do Titanic, deu a comunicação seguinte, em 21 de maio de 1912, a Mme. Hervy, num grupo parisiense:
“Caros amigos, uma sombra feliz vem até vós. Desconhecendo-lhe a pessoa, não lhe ignorais, entretanto, o nome, nem a morte trágica no naufrágio do Titanic. Sou Stead. Amigos comuns, entre os quais a duquesa de P..., me trouxeram aqui para que me manifestasse por intermédio de Mme. Hervy, sua amiga. Talvez vos cause admiração que meus Espíritos familiares não me tenham avisado da fatalidade que pesava sobre o Titanic. É que nada pode prevalecer contra o destino, quando irremediável, e eu devia morrer sem que a nenhuma potência humana ou espiritual fosse possível retardar a minha derradeira hora. A agonia do Titanic teve alguma coisa de horrível, mas também de sublime. Houve desesperos loucos e manifestações covardes e brutais do egoísmo humano. Mas, quantos, por outro lado, medindo toda a extensão da coragem, se sentiram maiores diante da morte, mais nobres e mais santos, mais perto de Deus! Saber que se vai morrer na plenitude da vida, na exuberância da força, pela ação dessas potências da Natureza, indomadas sob a aparência da submissão; morrer ao cintilar das estrelas impassíveis; morrer na calma fúnebre do mar gelado, em meio de uma solidão infinita, que angústia para a pobre criatura humana! E que apelo desvairado ela dirige a esse Deus, cujo poder repentinamente descobre!... Oh! as preces daquela noite, as preces, os desprendimentos, as consciências a se iluminarem por súbitos relâmpagos e a fé a se elevar nos corações por entre as harmonias do belo cântico: ‘Mais perto de ti, meu Deus!’
“Agonia de centenas de seres, sim, mas agonia que para muitos era a aurora de um novo dia. Há, para os que viveram, pensaram, sofreram, como também para os que muito gozaram das falazes alegrias que a fortuna dispensa às suas vítimas, um alívio interior e como que um arroubo de esperança, ao reconhecerem que dentro de alguns instantes tudo estará acabado. A alma freme na carne e a subjuga, malgrado os sobressaltos inconscientes da animalidade.
“E quantos dentre nós, proferindo as palavras do cântico: ‘Mais perto de ti, meu Deus!’ se sentiram bem perto do Ser inefável que nos envolve com a sua onipotente serenidade!
“Pelo que me toca, vi, cheio de estranha doçura, aproximar-se a morte, sentindo-me amparado pelos meus amigos invisíveis, penetrado de um misterioso magnetismo que galvanizava os que iam morrer e que tirava à morte todo o horror. Os que morreram sofreram pouco, menos do que os que sobreviveram. Os escolhidos já estavam a meio no mundo espiritual, onde em tudo rebrilha uma vida etérea. A maior amargura não era a deles, mas a dos que, presos à matéria, enchiam os barcos de socorro, que os levavam para continuarem nesse mundo a peregrinação da dor, de que ainda se não haviam libertado.”
W. Stead.
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