segunda-feira, 25 de julho de 2011

As religiões - a Doutrina Secreta

Quando se lança um golpe de vista sobre o passado, quando se evoca a recordação das religiões desaparecidas, das crenças extintas, apodera-se de nós uma espécie de vertigem ante o aspecto das sinuosidades percorridas pelo pensamento humano. Lenta é sua marcha. Parece, a princípio, comprazer-se nas criptas sombrias da Índia, nos templos subterrâneos do Egito, nas catacumbas de Roma, na meia-luz das catedrais; parece preferir os lugares escuros à atmosfera pesada das escolas, o silêncio dos claustros às claridades do céu, aos livres espaços, em uma palavra, ao estudo da Natureza.
Um primeiro exame, uma comparação superficial das crenças e das superstições do passado conduz inevitavelmente à dúvida. Mas, levantando-se o véu exterior e brilhante que ocultava às massas os grandes mistérios, penetrando-se nos santuários da idéia religiosa, achamo-nos em presença de um fato de alcance considerável. As formas materiais, as cerimônias extravagantes dos cultos tinham por fim chocar a imaginação do povo. Por trás desses véus, as religiões antigas apareciam sob aspecto diverso, revestiam caráter grave e elevado, simultaneamente científico e filosófico. Seu ensino era duplo: exterior e público de um lado, interior e secreto de outro, e, neste último caso, reservado somente aos iniciados. Conseguiu-se, não há muito, reconstituir esse ensino secreto, após pacientes estudos e numerosas descobertas epigráficas. Desde então, dissiparam-se a obscuridade e a confusão que reinavam nas questões religiosas; com a luz, fez-se a harmonia. Adquiriu-se a prova de que todos os ensinos religiosos do passado se ligam, porque, em sua base, se encontra uma só e mesma doutrina, transmitida de idade em idade a uma série ininterrupta de sábios e pensadores.
Todas as grandes religiões tiveram duas faces, uma aparente, outra oculta. Está nesta o espírito, naquela a forma ou a letra. Debaixo do símbolo material, dissimula-se o sentido profundo. O Bramanismo, na Índia, o Hermetismo, no Egito, o Politeísmo grego, o próprio Cristianismo, em sua origem, apresentam esse duplo aspecto. Julgá-las pela face exterior e vulgar é o mesmo que apreciar o valor moral de um homem pelos trajes. Para conhecê-las é preciso penetrar o pensamento íntimo que lhes inspira e motiva a existência; cumpre desprender do selo dos mitos e dogmas o princípio gerador que lhes comunica a força e a vida. Descobre-se, então, a doutrina única, superior, imutável, de que as religiões humanas não são mais que adaptações imperfeitas e transitórias, proporcionadas às necessidades dos tempos e dos meios.
Em nossa época, muitos fazem uma concepção do Universo, uma idéia da verdade, absolutamente exterior e material. A ciência moderna, em suas investigações, tem-se limitado a acumular o maior número de fatos e, depois, a deduzir daí as suas leis. Obteve, assim, maravilhosos resultados, porém, por tal preço, ficar-lhe-á sempre inacessível o conhecimento dos princípios superiores e das causas primitivas. As próprias causas secundárias escapam-lhe. O domínio invisível da vida é mais vasto do que aquele que é atingido pelos nossos sentidos: lá reinam essas causas de que somente vemos os efeitos.
Na antiguidade tinham outra maneira de ver, e um proceder muito diferente. Os sábios do Oriente e da Grécia não desdenhavam observar a natureza exterior, porém era sobretudo no estudo da alma, de suas potências íntimas, que descobriam os princípios eternos. Para eles, a alma era como um livro em que se inscrevem, em caracteres misteriosos, todas as realidades e todas as leis. Pela concentração de suas faculdades, pelo estudo profundo e meditativo de si mesmos, elevaram-se até à Causa sem causa, até ao princípio de que derivam os seres e as coisas. As leis inatas da inteligência explicavam-lhes a harmonia e a ordem da Natureza, assim como o estudo da alma lhes dava a chave dos problemas da vida.
A alma, acreditavam, colocada entre dois mundos, o visível e o oculto, o material e o espiritual, observando-os, penetrando em ambos, é o instrumento supremo do conhecimento. Conforme seu grau de adiantamento ou de pureza, reflete, com maior ou menor intensidade, os raios do foco divino. A razão e a consciência não só guiam nossa apreciação e nossos atos, mas também são os mais seguros meios para adquirir-se e possuir-se a verdade.
A tais pesquisas era consagrada a vida inteira dos iniciados. Não se limitavam, como em nossos dias, a preparar a mocidade com estudos prematuros, insuficientes, mal dirigidos, para as lutas e deveres da existência. Os adeptos eram escolhidos, preparados desde a infância para a carreira que deviam preencher e, depois, levados gradualmente aos píncaros intelectuais, de onde se pode dominar e julgar a vida. Os princípios da ciência secreta eram-lhes comunicados numa proporção relativa ao desenvolvimento das suas inteligências e qualidades morais. A iniciação era uma refundição completa do caráter, um acordar das faculdades latentes da alma. Somente quando tinha sabido extinguir em si o fogo das paixões, comprimir os desejos impuros, orientar os impulsos do seu ser para o Bem e para o Belo, é que o adepto participava dos grandes mistérios. Obtinha, então, certos poderes sobre a Natureza, e comunicava-se com as potências ocultas do Universo.

Léon Denis - Depois da morte

sábado, 9 de julho de 2011

Oportunidade de aprendizado

Inicialmente, busquemos situar o Espírito na Terra. Conceitos fundamentais da Doutrina Espírita, apontam:
 1) Imortalidade – continuidade da vida, em termos espirituais;
 2) Localização – a Terra é um plano de provas e expiações, o segundo nível na gradação dos Mundos Habitados; 
3) Encarnação – oportunidade de aprendizado, enquadrando provas (testes para adiantamento espiritual) e expiações (resgates de erros pretéritos);
 4) Afinidade – lei que preside as relações humano-espirituais, sobretudo em termos psíquicos;
 5) Livre-arbítrio – liberdade de agir, permitindo, neste aspecto, o cometimento de atos contrários às leis (divinas e/ou humanas);
 6) Violência – agressão física ou moral contra direitos ou liberdades de outrem;
 7) Planejamento Encarnatório – conjunto de elementos componentes do plano existencial do Espírito, definido antes da encarnação (nascimento) e sujeito à dinâmica de ações e reações, permitindo alterações (para melhor ou para pior), sendo relativo e não absoluto; e,
 8) Mecanismo da Justiça Divina – perfeito, imutável e universal, tratando cada um “segundo suas obras”.

Em um nosso recente trabalho, intitulado “O direito em O livro dos espíritos”, afirmamos que a liberdade é o traço caracterizador da existência espiritual, razão pela qual “[...] a Lei Divina preza pela independência individual e pelo direito de dispor sobre si mesmo, e fazer (ou não fazer) aquilo que seus desejos e aspirações indicarem”. Não é possível abdicar de tal “direito”, nem desprezar sua absoluta proteção.

O estupro, como ato atentatório à liberdade sexual das mulheres representa um dos atos mais abjetos, mais censuráveis e condenáveis – do ponto de vista ético-jurídico – porque a ação delituosa invade o “santuário” de sua individualidade físico-psicológica, bem como desrespeita e avilta o sexo, enquanto canal genésico-psíquico de intercâmbio de energias criadoras e equilibradoras do ser. Constranger a vítima – por violência ou ameaça – a manter relações sexuais com o agressor, em qualquer circunstância, importa, com a conseqüência do ato, em impingir-lhe uma nódoa que carregará na memória (atual e futura) por muito tempo, maculando sua existência. Reportagens e documentários que enquadram depoimentos de mulheres estupradas ou relatórios clínicos assinados por profissionais de saúde que as atenderam (física ou psicologicamente) demonstram a gravidade da lesão perpetrada pelo agressor, consistindo, muitas vezes, na dificuldade ou impossibilidade de praticar o sexo e ter prazer com o ato sexual, com alguns casos de completa aversão à proximidade física com qualquer outro homem.

Encarando o sexo como o veículo de manifestação dos nobres sentimentos do amor, em nenhuma hipótese podemos cogitar acerca da relação sexual forçada, podendo isto importar na desconsideração completa de elementos como o desejo, a vontade e a afinidade biopsíquica. E, considerando o prazer como uma busca e um caminho para a felicidade, todos precisamos ver assegurada a liberdade de pensamento e ação que fundamentam nossas escolhas, na vida.

Finalmente, é imperioso analisar o estupro sob o prisma da encarnação e do planejamento encarnatório. Se é patente que as ligações espirituais se formam no campo das vibrações (emanações energéticas ou psíquicas), existem vínculos espirituais entre criaturas, seja no vórtice positivo (amor, bem-querência e fraternidade), seja no negativo (ódio, antipatia e aversão), os quais atravessam existências e nos mantém ligados a diversas outras criaturas. Isto pode levar à aproximação ou ao distanciamento entre nós e os outros e, em função do livre-arbítrio, do atraso espiritual e da manifestação dos instintos primitivos, determinado Espírito investido na formologia masculina poderá investir contra outro de tipologia feminina, obrigando-o, pelas circunstâncias, à prática forçada do envolvimento sexual.

Contudo, em nenhum momento podemos falar de “preparação” ou “predisposição” espiritual para a prática de crimes de qualquer natureza, entre os quais está o estupro. Que sabedoria divina seria esta que permitisse o pagamento do “mal pelo mal”, isto é, o resgate ou a experimentação (em termos de oportunidade) pelo crime? Isto me parece a tradução (contemporânea) da Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), um mecanismo precário e superado de julgamento e condenação de delinqüentes que denotaria a profunda injustiça de conceber a dinâmica do sofrimento “na mesma moeda” para impor a compensação do mal porventura praticado ou para ensinar (reeducar) o infrator. Quão cruel seria este sistema se obrigasse o estuprador a vir como mulher e ser estuprado por sua anterior vítima, ou por terceiro, apenas como “paga” por erros cometidos, sem consideração do quantum de compensação que as atitudes construtivas e reequilibradas do Espírito poderá representar, em cada caso. Isto, é claro, considerando a célebre assertiva de Pedro , de que “o amor cobre uma multidão de pecados”.

Admitir que quem aborte tenha de ser abortado; que aquele que seja homicida volte para ser morto; que quem seja responsável por um acidente de trânsito, retorne para ser vítima de um outro acidente, é duvidar da absoluta misericórdia de Deus que não trata assim seus filhos, nem concebeu um mecanismo de administração judicial calcado nestes princípios. Do contrário, estabeleceu um sistema perfeito de aquilatação dos atos (positivos e negativos) de cada Espírito, dentro de um conjunto de Leis sábias e imutáveis, permitindo, a cada passo e momento, a recomposição da trajetória dos seres, considerando virtudes e defeitos, acertos e erros. Numa palavra, permite a regeneração espiritual pelas provas, conferindo às expiações o caráter de construtividade, não o de revanche.

Marcelo Henrique Pereira

Ao discutir o problema criminal à luz da reencarnação


Ao discutir o problema criminal à luz da reencarnação, o Espiritismo permite que se firmem as seguintes conclusões:

a) - sendo a existência do espírito anterior ao fato biológico do nascimento, o germe da criminalidade não provem de causas orgânicas ou sociais, porque está incorporado às deficiências morais do espírito;
b) - conquanto as deformações anatômicas não sejam a causa substancial das perversões morais ou das anormalidades psíquicas, pois estas decorrem da inferioridade do espírito, logicamente o Espiritismo não nega, mas afirma, a influência do fator anatômico no comportamento, nas reações e nos processos mentais, como elemento de ação inibit6ria;
c) - não aceitando, porém, as noções correntes de castigo, acaso, destino implacável, muito freqüentes nas crenças populares, a filosofia espírita vê os tipos anormais, não como vítimas da prepotência divina ou como simples efeito de uma fatalidade Constitucional ou biotipol6gica, mas na situação de espíritos que reencarnam em condições compatíveis com o seu passado;
d) - embora não admita a predominância exclusiva do meio social, o Espiritismo reconhece a influência da educação, assim como dos costumes e dos padrões sociais na regeneração do delinqüente nato ou na transformação do delinqüente no estado potencial.


Fonte: Espiritismo e Criminologia – Deolindo Amorim – 3ª edição - CELD.