quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A missão do século XX





Quando se lança um olhar rápido sobre o conjunto da História, esse verdadeiro livro do destino dos povos, parece que cada século tem um papel especial a preencher, uma particular missão a exercer na marcha da Humanidade.
O século XX parece ter uma vocação superior a todos os outros.
Em sua primeira metade, assiste ao desmoronamento de tudo quanto constituiu o passado.
Em sua segunda metade, assentará as bases do mundo futuro, feito de beleza, de luz, de justiça, que nossos contemporâneos saudaram por miragem ainda longínqua desse novo mundo do pensamento e de ciência, mundo que pressentimos tal qual Cristóvão Colombo pressentiu a aproximação de um continente desconhecido.
A transição não se faz sem abalo, sem choques violentos. O espetáculo das decomposições que se produzem seria lamentável, se não soubéssemos que, às grandes ruínas, sucedem as grandes ressurreições.
A História, com efeito, apaga para poder escrever; o pensamento só destrói para reconstruir; é a lei da evolução, a marcha lógica da Humanidade.
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Assistimos ao aluir das religiões, ou melhor, dos ritos e formas culturais, porque a religião, em seu princípio, em sua essência, isto é, o vôo da Alma para o Infinito, a aspiração das Inteligências para o ideal divino, a religião é indestrutível, quanto o é a Verdade, inesgotável quanto o amor, inalterável quanto a beleza.
O que deve perecer e tende, dia a dia, a extinguir-se, são as velhas fórmula dogmáticas, o farisaísmo antigo, as disciplinas envelhecidas. É todo o aparelhamento sacerdotal e o culto dos ídolos.
A Religião Católica, em particular, abate-se ao peso de suas faltas seculares.
A Igreja Romana, desde há muito, não passa de potência política. Seus pontífices desconheceram a própria missão; seus padres perderam o senso da iniciação profunda e sagrada dos primeiros cristãos.
Assim se acentuou, pela abolição da Concordata e pela atitude do papa, durante a última guerra, a ruptura entre a Igreja e a sociedade moderna, a cisão entre o espírito de Roma e o do século.
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Assistimos igualmente ao desabamento da Ciência, não da verdadeira Ciência, como o pretendia Brunetière, porque esta não pode perecer – (a trabalhadora que jamais depõe a sua balança) –, mas da ciência materialista, a que dominou o mundo durante mais de cem anos.
Há meio século, Ernest Renan publicava um livro sobre o Futuro da Ciência, livro habilmente concebido, que teve certa voga, e no qual profetizava a desaparição, em breve termo, do mistério que, sob formas diversas, surge em desafio ao pensamento humano.
O mistério subsistiu... Multiplicou-se, mesmo, graças à recente descoberta da radioatividade dos corpos e do desenvolvimento dos fenômenos psíquicos.
Outros exemplos farão ver até que ponto a ciência oficial, proclamando vitórias sobre a Matéria, mostrou-se impotente para resolver as grandes questões que têm tratado da Alma humana e de suas faculdades.
Nos seus Enigmas do Universo, escreveu Haeckel: “Enquanto o enigma da substância, que recapitula todos os outros enigmas, não for resolvido, nada se terá feito para a satisfação do espírito humano.”
Um dos mestres da ciência moderna, Henri Poincaré, a quem a morte surpreendeu em meio de seus trabalhos, demonstrava, em uma de suas últimas obras, que a Ciência é, ainda, uma hipótese, e confessava que as leis da Física estão para rever-se.
D'Arsonval teve quase a mesma linguagem, em seu curso no Colégio de França.
Vejamos agora o que dizia sobre o mesmo assunto William James, reitor da Universidade de Harvard, nas últimas páginas de seu belo livro: A Experiência Religiosa. Ele declara não poder, “sem ouvir uma demonstração interior”, colocar-se na atitude do homem de ciência que não vê nada fora da sensação e das leis da Matéria.”.
E algumas linhas mais adiante: “Toda experiência humana, em sua viva realidade, impele-me irresistivelmente a sair dos estreitos limites em que a Ciência pretende confinar-se. O mundo real é diferentemente constituído, muito mais rico e mais complexo que o da Ciência.”.
É precisamente esse mundo real, o mundo psíquico, que a maior parte dos nossos sábios não quer conhecer; em vez de estudar, como deveriam, a vida, em suas altas manifestações, perdem-se na análise infinitesimal; não vêem, por assim dizer, senão o pó das coisas e das idéias.
Faltaram sempre à ciência oficial a independência e a liberdade; apartou-se do caminho, submetendo-se servilmente à autoridade da Igreja; em seguida, enfeudou-se às doutrinas materialistas do século XVIII e, em seguida, ao panteísmo germânico. Enfim, depois de quase um século, tornou-se o satélite do Positivismo, essa doutrina incompleta, que se desinteressa sistematicamente do maior problema que o espírito humano quer e deve resolver o da sua origem e de seu destino. Ela se limita a arrastar pelo mundo fórmulas secas e banais, semelhantes à “Vitória-aptera”, que, desprovida de asas, se achava condenada a rastejar, sem poder elevar-se do solo.
A Ciência céptica havia posto a lei do número na base de tudo. Desde então, a vida tornou-se uma espécie de álgebra, cujas equações nos levaram a uma ou a muitas incógnitas. Era andar em sentido contrário ao da Natureza; porque o homem existe para criar e não para decompor; para agir, e não unicamente para analisar. Esse sistema negativo havia tornado estéreis os trabalhos dos sábios, e foi assim que vimos, desde muito, ir, pouco a pouco, apagando-se, sob nossos olhos, os caracteres e as consciências, a arte, o ideal e a beleza.
Com efeito, a Ciência desconheceu a lei da estética, consagrando o naturalismo que disseca a vida, em lugar de desenvolvê-la. Em moral, preconizou o determinismo, que erige em princípio a impotência do esforço e a renúncia à ação. Na ordem social, a pulverização, ao infinito, dos poderes e das responsabilidades, dando em resultado, por momentos, a um estado de coisas que confina com a desordem e a confusão.
A Ciência, que tinha por missão construir uma sociedade sobre bases novas, destruiu sem nada edificar. Perdendo de vista as grandes altitudes, os grandes focos do pensamento, a Ciência céptica resfriou o coração humano; destruiu o grau elevado que poetiza a vida, que a torna suportável. Eis por que as gerações que surgem se mostram desenganadas e reclamam outra coisa.
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O problema político não oferece menor gravidade. Sob a pressão dos acontecimentos, a maior parte das instituições monárquicas desmoronou-se e a democracia triunfante estendeu-se sobre suas ruínas; em seu seio, porém, surgiu uma crise intensa. Crescem e espalham-se os elementos de anarquia. Os destinos da ciência materialista e os do Socialismo atual estão em correlação; inspiram-se pelos mesmos métodos e pelas mesmas fórmulas.
É preciso convir, a democracia socialista de nossos dias está em desacordo com o próprio princípio da Revolução. Esta era essencialmente individualista; queria dar a cada um a livre iniciativa de seus atos pessoais.
O regime atual age diferentemente; tende a nivelar as individualidades fortes, e a passar logicamente da igualdade de direito à igualdade de fato. Vai ao coletivismo, isto é, à negação da pessoa humana e à sua absorção no todo social. O “Estadismo” não nos desembaraçaria das mediocridades; bem ao contrário, seria, por natureza, o seu protetor. Não é também a regulamentação do trabalho, pela coletividade, que dará ao proletariado a felicidade que os utopistas do dia fazem luzir a seus olhos.
Os homens são iguais, dir-se-á. Em seu sentido histórico restrito, a fórmula pode parecer exata; mas não se poderia tratar aqui de igualdade real, absoluta. Se os homens são iguais em direito, serão sempre desiguais em inteligência, em faculdades, em moralidade. Afirmar o contrário seria negar a lei da evolução, que, naturalmente, não age com a mesma eficácia sobre todos os indivíduos.
O homem livre na terra livre! Tal será o ideal social do futuro. Mas, é preciso ter em conta a necessidade preliminar de outro fator: a Fraternidade, que só pela harmonia pode estar em equilíbrio com a liberdade.
Têm fugido os séculos, desde a idade heróica dos primeiros cristãos, quando estes vendiam quanto possuíam, para que os Apóstolos distribuíssem, entre todo o preço dessa venda, segundo as necessidades de cada um.
Esse princípio de verdadeira fraternidade, lembrado por Mabli aos homens da Revolução, onde se encontrará? Não é decerto nos costumes atuais, que o egoísmo caracteriza; é nas aspirações da Alma humana, nesse movimento que agita os povos de um extremo a outro da Terra; é no longínquo das idades futuras!...
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Acabamos de passar em revista as ruínas a que o século XX já assistiu. Falemos agora das renovações que prepara e que executará.
É sempre na ordem intelectual que as grandes renovações começam. As idéias precedem e preparam os fatos. É a lógica da História e a lei do progresso humano.O abuso dos métodos e dos processos de análise tem estado a ponto de nos perder. Conseqüentemente, é mister preparar as grandes sínteses, as concepções de conjunto. Eis que se estabelece um novo ponto de vista para todas as coisas. Para aplicar métodos novos são precisos homens novos. Para a ciência livre de amanhã, são necessários espíritos livres.
Enquanto os homens destas gerações, submetidos à disciplina da Igreja ou da Universidade, não tiverem desaparecido, apenas se poderá esboçar a obra de redenção do espírito humano. A Igreja com suas confissões e a Universidade com seus exames quebrantaram a elasticidade da Alma e oprimiram os surtos do pensamento.
As vocações e as inteligências retraíram-se; ninguém teve o tempo e o espaço necessário para sentir e viver plenamente.
Prepara-se, entretanto, o trabalho de renovação. O século XIX e o começo do XX viram aparecer os precursores. Os gênios não tardarão em vir.
Em cada época da História, conta-se certo número de Espíritos que pertencem mais ao século seguinte do que àquele em que vivem.
Shakespeare escreveu: “Os grandes acontecimentos projetam diante de si sua sombra, antes que sua presença abale o Universo.”
Ora, os precursores viram essa sombra grandiosa desenhar-se-lhes no caminho, em formas móveis e poderosas; pressentiram os fatos e adivinharam as leis. Era o sinal de sua eleição intelectual e de sua vocação; mas, havia ali também a razão do seu isolamento, de seu abandono, de seus sofrimentos em meio à multidão, que os não podíamos compreender.
Acontecimentos surgiram com grandeza trágica. Durante mais de um quatriênio os povos se chocaram com abalos formidáveis. A guerra prosseguiu em sua obra de ruína e de morte, ao mesmo tempo em que varria muitos erros, ilusões e quimeras. Ao sopro da tempestade, rasgaram-se as nuvens e apareceu um canto de céu azul.
O décimo nono século foi o século da Matéria; o vigésimo será o do Espírito.
O décimo nono, perscrutando a Natureza, fez surgir desconhecidas energias; o vigésimo revelar-nos-á forças espirituais superiores a tudo quanto o homem sonhou, e o estudo dessas forças nos conduzirá à solução do problema da vida e da morte. Os precursores são grandes diante da História! São eles que esclarecem a marcha da Humanidade na imensa estrada de seus destinos.
Assemelham-se aos concorrentes do stadium antigo, de que fala Lucrecio, e que passaram de mão em mão o facho da inspiração. Sem eles, as renovações intelectuais do mundo não encontrariam os caminhos abertos, nem os espíritos preparados. Entre eles podemos citar, de nossos dias: Allan Kardec, Jean Reynaud, Flammarion, Victor Hugo, Crookes, Myers, Lodge, etc.
O livro de Myers, sobre A Personalidade Humana, termina por uma bela síntese experimentalista. O autor demonstra que é preciso, primeiramente, explicar o homem ao próprio homem.
O aprender a conhecer o homem leva ao conhecimento de Deus e do Universo. É o que havia recomendado o poeta inglês Pope, em seu Ensaio sobre o homem.
Mas as gerações passam, e é sempre esquecido esse estado essencial do homem interior. O século XIX consagrou incalculáveis recursos, imensos laboratórios ao estudo do universo material; estendeu prodigiosamente o campo de suas observações e de suas experiências; mas, o mundo ignorava ainda a constituição íntima do ser humano e as leis de seu destino.
Encontraram-se, pois, nossos legisladores na impossibilidade de governar. Como, com efeito, dirigir homens, administrar povos, quando se ignora ou se finge ignorar o grande princípio da vida? Daí surgiu o mal-estar de que sofre hoje nosso país.
O formidável problema do trabalho, com suas múltiplas dificuldades, tem por origem esse erro capital. Não quis ver na pessoa humana mais que um corpo a nutrir e explorar, e, partindo daí, só houve a preocupação das necessidades materiais. A luta pela vida tornou-se tão brutal quanto o era no tempo dos bárbaros.
O mal é grande, e não será sanado com sistemas empíricos. Nem no Socialismo, sob a fórmula atual, nem no Catolicismo serão encontrados os remédios.
Faz-se mister, em primeiro lugar, descobrir as causas para nos atermos a elas. Ora, estas são, por assim dizer, constitucionais ao homem. Seus erros, eis o que é preciso corrigir; suas paixões, eis o que é preciso combater, agindo menos sobre as massas do que sobre o indivíduo.
É ao todo, com efeito, que se deve esclarecer e corrigir; é preciso cultivar e desenvolver o homem interior em cada personalidade viva, se quisermos passar do reino da Natureza ao do Espírito.
Para a ciência nova, são necessários homens que conheçam a fundo as leis superiores do Universo, o princípio da vida imortal e a grande lei da evolução, que é uma lei de amor, e não uma lei de bronze, conforme o disse Haeckel.
Existe uma doutrina, ao mesmo tempo – velha quanto o mundo, e jovem quanto o futuro, porque é eterna, sendo a Verdade; uma doutrina que resume todas as noções fundamentais da vida e do destino; é o Espiritismo, e o livro de Myers, acima citado, é o seu comentário científico.
O Espiritismo faz erupção no mundo; espalha-se por toda parte.
Qual é a sociedade sábia, a revista hebdomadária, o jornal cotidiano, que não se ocupa de seus fenômenos, de suas manifestações, ainda que para negá-los, criticar, mascarar ou combater?
O Espiritismo é a questão do momento presente, o problema universal. Não é mais possível quedar indiferente em face dele.
E é precisamente porque essa invasão espiritual enche os dois mundos e preocupa o pensamento humano, que acreditamos dever insistir sobre os deveres que nos incumbem para com essa nova fé, essa ciência, jovem e forte, que oferece provas irrefutáveis da vida depois da morte, e contém, em gérmen, todas as ressurreições do futuro!...
Relembramos, ao terminar, o caráter sensível do Espiritismo moderno. Não é um sistema novo que se vem juntar a outro, nem um conjunto de teorias vãs. É um ato solene do drama da evolução que começa uma revelação que ilumina, ao mesmo tempo, as profundezas do passado e do futuro, que faz surgir do pó dos séculos as crenças adormecidas, as anima com uma nova chama e, completando-as, as faz reviver.
É um sopro poderoso que desce dos Espaços e corre sobre o mundo; sob sua ação, todas as grandes verdades se revelam. Majestosas, emergem do crepúsculo das idades, para desempenhar o papel que o pensamento divino lhes assinala. As grandes coisas se fortificam no recolhimento e no silêncio.
No olvido aparente dos séculos, colhem energias novas. Retraem-se e preparam-se para os empreendimentos futuros.
Acima das ruínas dos templos, das civilizações extintas e dos impérios desmoronados, acima do fluxo e do refluxo das marés humanas, uma voz poderosa se eleva; e esta voz clama:
Os tempos são vindos, os tempos são chegados!
Das profundezas estreladas descem à Terra os Espíritos em legião, para o combate da luz contra as trevas.
Não são mais os homens, os sábios e os filósofos que trazem uma doutrina nova. São os Gênios do Espaço que vêm e sopram em nossos pensamentos os ensinos chamados a regenerar o mundo.
São os Espíritos de Deus! Todos quantos possuem o dom da clarividência os percebem pairando acima dos seres da Terra, tomando parte em nossos trabalhos, lutando ao nosso lado para o resgate e a ascensão da Alma humana.
Grandes feitos se preparam. Que se ergam os trabalhadores do pensamento, se querem participar da missão oferecida por Deus a todos os que amam a Verdade e a ela servem.

Léon Denis
O Grande Enigma

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