Como tínhamos dito, o homem deve antes de tudo aprender
a se conhecer a fim de clarear seu porvir. Para caminhar com passo firme,
precisa saber para onde vai. É conformando seus atos com as leis superiores que
o homem trabalhará eficazmente para a própria melhoria e do meio social. O
importante é discernir essas leis, determinar os deveres que elas nos impõem,
prever as conseqüências de suas ações. O dia em que estiver compenetrado da
grandeza de sua função, o ser humano poderá melhor se desapegar daquilo que o
diminui e rebaixa; poderá se governar com sabedoria, preparar por seus esforços
a união fecunda dos homens em uma grande família de irmãos.
Mas estamos
longe desse estado de coisas. Ainda que a humanidade avance na via do
progresso, pode-se dizer, entretanto, que a imensa maioria de seus membros
caminha pela via comum, em meio à noite escura, ignorante de si mesma, nada
compreendendo do propósito real da existência.
Espessas
trevas obscurecem a razão humana. As radiações da verdade chegam empalidecidas,
enfraquecidas, impotentes para aclarar as rotas sinuosas trilhadas pelas
inumeráveis legiões em marcha e para fazer resplender aos seus olhos o objetivo
ideal e longínquo.
Ignorando seus
destinos, flutuando sem cessar entre o preconceito e o erro, o homem maldiz,
por vezes, a vida. Curvando-se sob seu fardo, lança sobre seus semelhantes a
culpa das provas que suporta e que, muito freqüentemente, são geradas por sua
imprevidência. Revoltado contra Deus, a quem acusa de injustiça, chega mesmo,
algumas vezes, na sua loucura e desespero, a desertar do combate salutar, da
luta que, por si só, poderia fortificar sua alma, esclarecer seu julgamento,
prepará-lo para os trabalhos de uma ordem mais elevada.
Por que é
assim? Por que o homem desce fraco e desarmado na grande arena onde trava sem
trégua, sem descanso, a eterna e gigantesca batalha? É porque este globo, a
Terra, está em um degrau inferior na escala dos mundos. Aqui residem em sua
maior parte espíritos infantis, isto é, almas nascidas há pouco tempo para a
razão. A matéria reina soberana em nosso mundo. Nos curva sob seu jugo, limita
nossas faculdades, estanca nossos impulsos para o bem e nossas aspirações para
o ideal.
Além disso,
para discernir o porquê da vida, para entrever a lei suprema que rege as almas
e os mundos, é preciso saber se libertar dessas pesadas influências, desapegar-se
das preocupações de ordem material, de todas essas coisas passageiras e
cambiantes que encobrem nosso espírito e que obscurecem nossos julgamentos. É
nos elevando pelo pensamento acima dos horizontes da vida, fazendo abstração do
tempo e do lugar, pairando, de alguma forma, acima dos detalhes da existência,
que perceberemos a verdade.
Por um esforço
de vontade, abandonemos um instante a Terra e gravitemos nessas alturas
imponentes. De cima se desenrolará para nós o imenso panorama das idades sem
conta, e dos espaços sem limites. Da mesma forma que o soldado, perdido no
conflito, não vê senão confusão em torno dele, enquanto o general, cujo olhar
abraça todas as peripécias da batalha, calcula e prevê os resultados; da mesma
forma que o viajante, perdido nas sinuosidades do terreno pode, escalando a
montanha, vê-las se fundir em um plano grandioso; assim a alma humana, da
altura onde plana, longe dos ruídos da terra e longe dos baixios obscuros,
descobre a harmonia universal. Aquilo que, aqui em baixo, lhe parece
contraditório, inexplicável e injusto, quando visto do alto, se reata, se
aclara; as sinuosidades do caminho se endireitam; tudo se une, se encadeia; ao
espírito, fascinado, aparece a ordem majestosa que regula o curso das existências
e a marcha do universo.
Dessas alturas
iluminadas, a vida não é mais, para os nossos olhos, como é para os da multidão
- uma vã perseguição de satisfações efêmeras - mas antes um meio de aperfeiçoamento
intelectual, de elevação moral, uma escola onde se aprende a doçura, a
paciência e o dever. E essa vida, para ser eficaz, não pode ser isolada. Fora
de seus limites, antes do nascimento e após a morte, vemos, em uma espécie de
penumbra, desenrolar-se inúmeras existências através das quais, ao preço do
trabalho e do sofrimento, conquistamos, peça por peça, retalho por retalho, o
pouco de saber e de qualidades que possuímos; por elas igualmente conquistaremos
o que nos falta: uma razão perfeita, uma ciência sem lacunas, um amor infinito
por tudo que vive.
A imortalidade
se assemelha a uma cadeia sem fim e se desenrola para cada um de nós na
imensidade dos tempos. Cada existência é um elo que se religa, na frente e
atrás, a elos distintos, a vidas diferentes, mas solidárias entre si. O
presente é a conseqüência do passado e a preparação do futuro. De degrau em
degrau, o ser se eleva e cresce. Artesã de seu próprio destino, a alma humana,
livre e responsável, escolhe seu caminho e, se este caminho é mau, as quedas
que advirão, as pedras e os espinhos que a dilacerarão, terão o efeito de
desenvolver sua experiência e esclarecer sua razão nascente.
Léon Denis
O Porquê da Vida
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