A fé é a confiança da criatura em seus destinos, é o
sentimento que a eleva à infinita Potestade, é a certeza de estar no caminho
que vai ter à verdade. A fé cega é como farol cujo vermelho clarão não pode
traspassar o nevoeiro; a fé esclarecida é foco elétrico que ilumina com
brilhante luz a estrada a percorrer.
Ninguém adquire essa fé sem ter passado pelas
tribulações da dúvida, sem ter padecido as angústias que embaraçam o caminho
dos investigadores. Muitos param em esmorecida indecisão e flutuam longo tempo
entre opostas correntezas. Feliz quem crê, sabe, vê e caminha firme. A fé então
é profunda, inabalável, e habilita-o a superar os maiores obstáculos. Foi neste
sentido que se disse que a fé transporta montanhas, pois, como tais, podem ser
consideradas as dificuldades que os inovadores encontram no seu caminho, ou
seja, as paixões, a ignorância, os preconceitos e o interesse material.
Geralmente se considera a fé como mera crença em certos
dogmas religiosos, aceitos sem exame. Mas a verdadeira fé está na convicção que
nos anima e nos arrebata para os ideais elevados. Há a fé em si próprio, em uma
obra material qualquer, a fé política, a fé na pátria. Para o artista, para o pensador,
a fé é o sentimento do ideal, é a visão do sublime farol aceso pela mão divina
nos alcantis eternos, a fim de guiar a Humanidade ao Bem e à Verdade.
É cega a fé religiosa que anula a razão e se submete ao
juízo dos outros, que aceita um corpo de doutrina verdadeiro ou falso e dele se
torna totalmente cativa. Na sua impaciência e nos seus excessos, a fé cega
recorre facilmente à perfídia, à subjugação, conduzindo ao fanatismo. Ainda sob
esse aspecto, é a fé um poderoso incentivo, pois tem ensinado os homens a se
humilharem e a sofrerem. Pervertida pelo espírito de domínio, tem sido a causa
de muitos crimes, mas, em suas conseqüências funestas, também deixa
transparecer suas grandes vantagens. Ora, se a fé cega pôde produzir tais efeitos, que não
realizará a fé esclarecida pela razão, a fé que julga, discerne e compreende?
Certos teólogos exortam-nos a desprezar a razão, a renegá-la, a rebatê-la.
Deveremos por isso repudiá-la, mesmo quando ela nos mostra o bem e o belo?
Esses teólogos alegam os erros em que a razão caiu e parecem, lamentavelmente,
esquecer que foi a razão que descobriu esses erros e ajudou-nos a corrigi-los.
Léon Denis
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